Monday, August 08, 2005

Conto – parte III

Ao ver-se preso naquela redoma mágica o cavaleiro encarou de novo a ampulheta.
Os rubis caíam escoando-se e ele pensou para consigo: “É só esperar que passe e poderei sair”.
Mal formulou este pensamento e o fluxo até então constante de rubis cessou totalmente para grande desânimo do nobre cavaleiro.
Desesperado começou a pensar que aquele seria o seu fim e nesta altura os rubis que repousavam no fundo da ampulheta começaram a erguer-se juntando-se aos que ainda não tinham sido escoados. Aterrorizado o cavaleiro deu um passo atrás e à medida que o seu temor crescia mais se acentuava aquele movimento antinatural.
Nesta altura, o cavaleiro pensou na sua amada e os rubis pararam no ar e recomeçaram o seu fluxo descendente, muito devagar, parando por vezes deixando um fino fio vermelho suspenso.
As palavras de Saturno tinham ficado na sua cabeça “(…) através das tuas emoções (…)”
Apercebera-se naquele instante que esta ampulheta reagia ao seu estado de espírito, quando pensava em alguma coisa agradável o fluxo de rubis era descendente e quanto mais agradável e convicto fosse o pensamento maior a velocidade com que se escoariam os rubis restantes.
Sentou-se então no chão, de pernas cruzadas, contemplando a ampulheta e concentrou-se exclusivamente na sua amada – acto contínuo, o fluxo descendente aumentou a uma velocidade impressionante.

Saturno no entanto tinha preparado mais algumas surpresas do que só aquela…
De repente, no interior da ampulheta surge uma névoa que forma a imagem de um outro cavaleiro a abraçar a amada do nobre cavaleiro.
A tristeza invadiu-o e o fluxo parou e inverteu o sentido. A ideia de outro com a sua amada era algo que não conseguia suportar.

Voltou a ouvir a voz rouca de Saturno:
- Tendes a certeza de que ela vos ama? E tendes a certeza de que a amais?

O cavaleiro pôs-se de pé num salto e olhou em todas as direcções procurando o deus mas não o encontrando em lado nenhum. Decidiu responder mesmo assim

- Se não a amasse não teria ciúmes pois não? Só temos ciúmes de quem se ama!
- Verdade (disse de novo a voz rouca)… Mas qual a justa medida do ciúme? Não estarás a ser possessivo?
- Estarei, mas não a imagino com mais ninguém…
- Compete-lhe a ela escolher. Se a tua dúvida sobre os sentimentos que ela sente por ti é assim tão grande, só tendes desconfiança, não tendes amor. Viverás sempre envolto no medo, tornar-te-ás numa sombra assustada. Descobri qual o verdadeiro sentimento e sairás desta redoma.

O cavaleiro, mais abatido do que nunca, caiu sobre os seu joelhos e, com a face coberta de lágrimas desejou mais do que nunca ter certezas e sair daquele sitio infernal.
Pensou que iria morrer naquele local, perdido nas suas dúvidas, consumido pelos seus medos…

A ampulheta já tinha todos os rubis recolhidos na sua metade superior quando o desespero do cavaleiro atingiu o seu máximo…

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