Wednesday, March 14, 2007

Espectros

Todos sabemos que quando a luz atravessa um prisma se dá o fenómeno da refracção e a luz dita branca se abre num espectro de cores que são as do arco-íris. É como se algo comum, banal se transfigurasse para algo de único e de belo.

Durante séculos os pintores assumiram que a luz vinha do escuro e por isso as telas eram pintadas de base com cores escuras e depois, num trabalho de clarear sucessivo surgiam as formas e as cores. O aparecimento do movimento impressionista, com a saída dos pintores dos estúdios para a natureza inverteu-se o processo e o processo de pintura passou a contemplar a passagem de uma tela integralmente branca para outros tons, do branco para o “escuro”.

Diz-se que um pintor se conhece pela sua paleta de cores – há sempre um traço comum em todas as obras mesmo quando este se reinventa.

Ora, também há pessoas que partem do escuro para o luminoso e outros que partem da luz para a escuridão. Numa outra vertente deste paralelismo, há pessoas que possuem um espectro de actuação que é enorme, como uma paleta de cores, reinventam-se, produzem e produzem-se, geram pequenos milagres e/ou desastres.

Como se classifica uma pessoa que é capaz do melhor, dos actos de mais puro altruísmo e ao mesmo tempo é capaz das maiores mesquinhezes?

Talvez o truque esteja na identificação do traço comum. Desengane-se quem pensa que não há padrões, repetições e traços comuns nas situações e no modo de actuar das pessoas.

Se um pintor se identifica pela assinatura, pela paleta de cores (e mais uma série de outros elementos) as pessoas também se identificam.

Diz o provérbio que “burro velho não aprende línguas” – mas mais do que isso, vamos aprendendo ao longo da vida a descobrir as contradições no outro e com isso a perceber melhor os seus motivos. Podemos não os perceber no momento mas percebemos mais tarde se nos dedicarmos a isso ou então por um golpe fortuito.

Na pintura temos também as imitações, feitas por outros que não o verdadeiro Artista, mas por alguém que o copia. Ia-me escapando: “sendo sempre pior que o original” mas depois lembrei-me de Miguel Ângelo que começou por fabricar imitações para depois se tornar um artistas maior.
Na generalidade dos casos, o imitador é pior do que o artista original ou então é tão bom como ele (no entanto não tem criatividade para se assumir como artista independente).

O paralelismo também me parece evidente, a quantidade de pessoas que são cópias de outras pessoas parece não conhecer limites.

Em parte terá que ver com a produção massificada mas parte tem que ver com o medo que todos temos em assumir-nos como seres independentes e de características únicas.
A célebre expressão: “fazer parte do rebanho” que tanto valor assume na adolescência em que queremos desaparecer na multidão tem o revés de mais tarde termos que retroceder alguns passos para recuperar as nossas peculiaridades.

Há aquelas pessoas com peculiaridades em demasia que acabam por ter um espectro demasiado amplo, que “estão em todo o lado”, que por muito que nós tentemos encaixar numa qualquer categoria e fechar o assunto, se esforçam por quebrar todas as classificações, que por serem demasiado amplas e demasiado espalhafatosas são também elas demasiado absorventes, são consumidoras do nosso tempo, da nossa capacidade, da nossa atenção e da nossa vida.

E depois, todo um espectro de grande amplitude que podia ser algo de único e de belo se transforma em algo doentio e de triste, que se banaliza esvaziando-se.