Wednesday, August 10, 2005

Carta

Meu querido avô,
Sinto a falta de falar consigo, e neste momento mais ainda. Tenho que tomar tantas decisões em tão pouco tempo, sinto-me tão pequeno, tão novo, tão incapaz.
Sempre falámos que um dia seria eu que… mas sinceramente nunca pensei que esse dia viesse e tenho imensa dificuldade em manter o sangue frio e a cabeça no lugar.
E se eu falho?
Parecia tudo tão mais fácil quando o tinha a si ao meu lado, com a sua voz rouca. Tinha a convicção de que viveria tanto tempo quanto o que eu precisasse de si.
Cresci muito desde que o avô partiu, passaram nove anos e como é natural mudei muito a minha forma de ver o Mundo, de pensar, de agir. Como tudo mudou…
Há alturas em que passeio pela casa, vou ao seu escritório e fico a olhar para a sua estante. Lembro-me daquelas tardes em que o avô ia buscar um livro qualquer da estante e se sentava na sua cadeira, abria o livro num qualquer mapa, desenho ou imagem e lá passávamos nós a tarde a discutir algum assunto que invariavelmente estava ligado à história de Portugal ou do Mundo.
São tantas as pequenas contrariedades com que nos debatemos, umas mais importantes, outras menos mas tem faltado sempre aquela bonomia que só o avô conseguia ter.
“Os pequenos vão bem…” – resquícios linguísticos usados pela mãe e que remetem para um tempo, uma vivência que parece ter deixado por completo esta casa. Não que nos tenhamos esquecido de quem somos, mas as circunstâncias, essas meu querido avô mudaram tanto e tão drasticamente.
Gostava tanto de falar consigo, de lhe perguntar se está de acordo com as opções que eu quero tomar e que vou “amarrar” a minha irmã a. Sempre soube que o avô esperava que eu tomasse o seu lugar quando partisse, e cada dia que passa sinto mais saudades suas, se o avô se lembra, passava o tempo todo a fazer-me ouvir porque sabia sem margem para duvidas qual o melhor caminho, qual a melhor estratégia, qual a decisão ideal. Sempre me sorriu e me fez ver que havia mais do que uma forma de encarar as questões e que mesmo as que aparentemente eram fáceis podiam ter implicações importantes se não fossem acauteladas.
Tudo me parece tão difícil agora, tão complicado, se há coisas de que tenho certezas, outras existem que tenho dúvidas colossais e que não tenho a quem perguntar e o avô já cá não está para me dar resposta. Sim, de facto sempre achei que o avô tinha a resposta certa, na altura exacta para tudo e tinha/tenho uma confiança cega em si. O avô afirmou em relação ao seu pai que o considerava um homem extraordinário e que por cada dia que passava a sua admiração por ele aumentava, pois bem, comigo passa-se o mesmo mas em relação a si.
Têm sido noites em claro estas ultimas, desesperando por respostas que não chegam, por conclusões que parecem teimar em não me parecer correctas ou lógicas. Queria tanto poder parar um pouco o tempo e assim conseguir “chegar lá”. Sinto falta de me deitar na sua cama, cobrir-me com o seu edredão e dormir enquanto o avô via o telejornal.
O avô nunca teve dúvidas?
Sinto medo, muito medo mesmo, apercebi-me nesta semana que passou que já não sou tão pequeno quanto isso, afinal tenho mesmo mais responsabilidades do que alguma vez imaginei e que o avô desde sempre achou que eu devia assumir. É estranho, sempre achei que o avô o dizia mas que no fundo estaria sempre aqui para as segurar e eu passaria por elas consigo a meu lado. Agora que penso no assunto, de facto o avô nunca demonstrou ter a idade que tinha, sempre conseguiu parecer muito mais nova, com uma energia inesgotável para cuidar de toda a sua família, mesmo quando nós todos sabíamos que isso era um esforço grande.
Sabe avô, sei que daqui a 5 dias a decisão foi tomada e também sei que não estou longe de tomar a decisão possível mas sinto-me angustiadíssimo, estou pela primeira vez a tomar decisões totalmente só, como aquelas que o avô tomou quando chegou a sua altura e sinceramente, aqui entre nós, não tenho a sua capacidade e tenho muito medo de não ser capaz. Provavelmente sentiu o mesmo quando teve que “step foward” mas sinceramente não era nada disto que tinha imaginado. O que tinha imaginado? Talvez algo mais pacifico em que assumiria o seu lugar de forma tranquila.

1 Comments:

Blogger Ginja said...

Sinto nas tuas palavras uma grande inquietação... Parece que este tem sido um tempo onde decisões firmes se impõem a muita gente que eu conheço . E a mim também. Aliás, acho que percebeste que foi assim no início do verão, precisei de aclarar ideias. Elas são clarinhas como água agora, mas não quer dizer que tal como tu eu não esteja cheia de medo do futuro, mesmo sabendo racionalmente que nada de mal pode vir disto que resolvi de mim para comigo. Não quer dizer que por ter decidido assim fique logo logo logo mais tranquila, que até durmo mal só de pensar nisso. Pelo contrário, é uma incógnita, mas sei que para melhor. Só que à custa a gente desprender-se de umas coisas para se lançar de cabeça noutras. Não sabemos como nos vamos portar, se estaremos à altura das nossas próprias resoluções. É mesmo assim. Espero que te encontres bem e que tomes a decisão certa, não importa sobre o que seja. Abraço amigo.

August 13, 2005 8:19 PM  

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