Wednesday, July 06, 2005

Triste fado o do meu país

Começou hoje na Christie’s o leilão da colecção de António Champalimaud, considerada uma das mais importantes colecções privadas a subir à praça nos últimos 20 anos.
Entre as peças levadas à praça destacam-se, entre outras, “O Bucintoro visto do Molo no dia da Ascensão” pintado por Canaletto e datado de 1754, um par de leopardos de porcelana que vieram do palácio imperial chinês na famosa Cidade Proibida e de que apenas se conhecem quatro exemplares, umas boiseries Luís XVI onde estão representados os quatro continentes e ainda um par de cómodas que se descobriu há dias terem pertencido à mobília do Palácio de Versailles e que saíram de lá aquando da Revolução Francesa tendo trocado de mãos até chegarem à posse do falecido milionário português.
A decisão de vender a colecção foi tomada pelo próprio em vida e os lucros reverterão para a fundação que ele criou e que entrou em funcionamento após a sua morte. A fundação tem por objectivo fazer investigação na área da saúde.
É, no meu entender, compreensível que António Champalimaud não quisesse que a sua colecção revertesse para o estado porque como é do conhecimento geral, a ruína bateu-lhe à porta no 25 de Abril e as suas indústrias foram nacionalizadas e ele teve de abandonar o país.
Não sendo, por convicção, defensor de um estado interventivo, neste caso não posso deixar de estranhar que o Estado não tenha actuado de forma a impedir a venda desta colecção ou então das principais peças. O país vai perder um espólio que dificilmente voltará a ser reunido e se o for não será cá.
Na minha opinião, é a delapidação do património e da cultura portuguesa.
Segundo a Christie’s, esta colecção tem sido um importante “cartão de visita” de Portugal, mostrando que há valor no país, assim sendo ainda mais me espanta que o Estado esteja desatento.
Correndo o risco de ser injusto, há quanto tempo não há a aquisição, por parte do Estado de uma peça de valor cultural universal?
Pululam pequenos museus que sem dúvida são importantes mas definham museus como o das Janelas Verdes (Museu Nacional de Arte Antiga). Não há ninguém com vontade política neste país para impor uma forte politica cultural?
Se queremos ser um país em que o turismo seja de facto uma fonte de riqueza, não podemos apenas estar dependentes das nossas paisagens e praias. A nossa gastronomia, que é das melhores, e o nosso clima, não pode ser o mais que tudo de uma política de turismo sustentável. Tem que existir um forte substrato cultural para atrair outro tipo de turismo. Como é possível os nossos Museus disputarem com Museus como o Prado, o Louvre, o British Museum, o Smithsonian entre outros, se as peças boas do país saem de cá para lá?
Não se julgue que é um problema de sermos pequenos porque este país já foi a cabeça de um Império e em 1755 (antes do Terramoto) a cidade de Lisboa era a capital europeia mais rica e a culturalmente mais pujante.
Após o Terramoto, a reconstrução projectou a cidade para standards de modernidade que foram caso de estudo pela Europa. Não acreditam? Pensem que a Rua do Ouro e a da Prata ainda hoje comportam carros e com duas faixas. Foram planeadas assim desde o princípio o que revela uma enorme capacidade de antecipação. Mas há mais, a primeira estrutura pensada para suportar uma acção sísmica foi desenvolvida integralmente cá nessa altura e pela “simplicidade” da solução está agora a ser desenvolvida com materiais mais recentes no MIT. Curioso não é?
Mas não é só a venda da colecção Champalimaud que me faz temer pela cultura portuguesa.
Ontem a Fundação Calouste Gulbenkian anunciou a sua intenção de no ano que se segue extinguir a sua companhia de bailado.
Será que esta notícia confirma os rumores de que a instituição se encontra em importantes problemas financeiros?
Numa altura em que todos os portugueses andam assustados com a situação financeira e económica do país, sinais de fraqueza de instituições como a Gulbenkian devem ser encarados com particular preocupação.
O Prof. Medina Carreira aconselhou todos os jovens que têm aspirações e capacidades a abandonar o país e procurarem novas paragens. Não percebo, é nestas alturas que todos os que têm capacidade são mais necessários. Ninguém se deve esquivar a assumir responsabilidades e pegar nas suas mãos o futuro do nosso país. Não podemos fazer como os ratos e abandonar o navio.
O governo entretanto apresentou o seu plano de investimentos com os quais visa relançar a economia portuguesa.
Entre estes planos estão o famoso TGV e o aeroporto da Ota. Quanto ao primeiro não tenho opinião muito formada porque é um projecto europeu e portanto Portugal terá de o executar ao ritmo imposto externamente.
Quanto ao aeroporto da Ota, se este seguir o modelo do aeroporto de Schiphol (http://www.schiphol.nl/) em Amesterdão, então será um excelente investimento, se não for por esse caminho será mais um elefante branco que pagaremos como vamos pagando as auto-estradas sem custos para os utilizadores.
O conceito do aeroporto de Schiphol é o de uma cidade que funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano. Oferece uma plataforma logística única com todo o tipo de transportes a derivarem daquele ponto.
Tudo isto é muito bonito mas implica não ceder a compadrios e não cair na tentação de lá colocar os amigos pessoais e do partido mas sim pessoas competentes nos cargos de liderança.
Na segunda-feira, assistimos no canal 1 a um debate entre economistas sobre qual o caminho, para além dos economistas estava o Sr. Eng.º Belmiro de Azevedo que demonstrou dominar muitas mais áreas do que só aquelas em que trabalha directamente. E o espantoso é que foi de todos o mais claro e clarividente sobre as medidas a tomar.
Não tendo mais nenhum interesse na política para além daquele que qualquer cidadão deve ter, não posso deixar de estranhar que tenha ouvido com interesse este debate, as “Notas soltas” de António Vitorino e as “Escolhas de Marcelo” com o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa e não tenha ouvido mais do que 5 minutos da entrevista feita ao primeiro-ministro.
Começo a achar que assim não vamos lá. Faz falta alguém que nos motive e que tenha um ideal.
A falta de uma ideia estratégica para Portugal, a arrastar-se durante muito mais tempo, levará ao aparecimento de alguém com convicções fortes, que a pedido de todos, se manterá no poder demasiado tempo, mais do que o devido…
Conhecem a escultura “A cadeira do poder”? Está no topo da Alameda Afonso Henriques e o assento da cadeira está de tal forma inclinado que ninguém lá consegue permanecer. Espero que não nos estejamos a esquecer da nossa história e da história das sociedades…
Acho que nos resta ter esperança e um, não resisto à pequena provocação, um sebastianismo redobrado…

2 Comments:

Blogger smile said...

Concordo plenamente contigo.

July 07, 2005 10:15 PM  
Blogger Ginja said...

Luís, deves ler António Sérgio a propósito de Sebastianismo . Mudou a minha perspectiva sobre o país .

July 08, 2005 12:39 AM  

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