Friday, October 27, 2006

Casamentos

Nos últimos tempos (duas ou três semanas para ser preciso) tenho visto uma série de pessoas, umas amigas, outras conhecidas, a casarem-se ou a juntarem-se.

Sempre acreditei que iria namorar com uma pessoa e que nos iríamos casar.

Curiosamente ou não, não foi assim que a minha vida se desenrolou. Dei por mim a perguntar-me se afinal a minha convicção de que me queria casar era verdadeira ou se afinal era apenas trinta e um de boca. Teria eu capacidade para assumir o compromisso que é um casamento?

Voltaram-me à memória inúmeras conversas e o célebre “desfasamento temporal”.

Não estou em fase de pensar em me casar, nem próximo disso. Sei que em relação a muitos dos casamentos e uniões não agoiro nada de bom porque me parece que é uma fuga para a frente mas também me pergunto se isso não é mais o meu desejo do que a realidade. O meu desejo que as coisas afinal não corram bem porque isso dar-me-ia razão e assim sentiria que afinal havia uma razão válida para não me ter precipitado para uma união de qualquer tipo. Se preferirem, era uma justificação, uma desculpa.

Não estou em fase de assumir compromissos, já não estava nessa fase há um tempo atrás, mas só agora sei o porquê e mesmo que goste de alguém, não posso assumir nenhum compromisso.

Não julguem que estou a fugir às responsabilidades, quem me conhece e sabe o que se passa comigo sabe que não fujo delas, por e simplesmente não quero mais ninguém a bordo da gôndola que conduzo, não neste momento. Há várias coisas que quero deixar prontas e definidas mas que as tenho que fazer estando só.

Tenho que dar a mão à palmatória a quem me disse que eu não tinha percebido que havia um desfasamento temporal, tem toda a razão. Gerou-se a partir do momento em que entrei na minha fase ruminante e em que passei a ser incapaz de verbalizar toda a angústia que me submergiu.

Angústia essa que merecia e teve um combate dedicado, corpo a corpo, que implica pegar em todo o novelo e desfazê-lo. Isso implica que quem não está directamente envolvido tenha que ficar de fora a ver esta dança macabra em que rodopio atrás das sombras, em que luto contra algo que não se vê, que muitas pessoas desconhecem e que praticamente ninguém acredita.

No fundo abdiquei, não das pessoas que amava, mas de parte de mim para poder refazer-me e no meio deste processo perdi-me e fui consumido pela angústia.

Estou agora na fase do reencontro, com muitas mudanças, com cicatrizes profundas, com algumas nódoas negras e algo dorido, mas tentei renascer, tentei melhorar.

Não estou pronto para assumir qualquer compromisso porque ainda estou a assumir-me na plenitude dos meus actos e das decisões algo temerárias e irresponsáveis que tomei no passado. Foram decisões que tomei assumindo que o comportamento das pessoas envolvidas em todo o processo seria um determinado. Algumas das pessoas agiram exactamente como esperava, outras excederam as expectativas e outras por e simplesmente foram-se embora.

Há uma espécie de inveja em ver os outros casarem-se, juntarem-se e eu, afinal estar a ficar para trás, mas fico, em parte por escolha minha.

Antes de assumir qualquer compromisso com alguém, tenho que acabar de assumir o meu próprio compromisso. Aceitar as minhas próprias mudanças.

Não estou em fase de assumir nenhum compromisso porque quero sentir que quando o fizer o faço não para fugir a uma qualquer solidão mas sim porque sei que isso me trará a felicidade que desejo.

Confesso que sou um adepto da solidão no sentido em que acho que todos devíamos passar por ela e estruturar-nos para a suportar e só depois de passarmos pelas dificuldades de estar só é que deveríamos ir ao encontro do outros e sentir-nos prontos para uma caminhada conjunta ao longo de uma vida.

Enfim, desabafos nocturnos …

P.S. – Fica também a letra de uma música dos Xutos e Pontapés

“Entre a chuva dissolvente
No meu caminho de casa
Dou comigo na corrente
Desta gente que se arrasta
Metro, túnel, confusão
Entre suor despertino
Mergulho na multidão
No dia a dia sem destino

Putos que crescem sem se ver
Basta pô-los em frente à televisão
Hão-de um dia se esquecer
Rasgar retratos largar-me a mão
Hão-de um dia se esquecer
Como eu quando cresci
Será que ainda te lembras
Do que fizeram por ti

E o que foi feito de ti
E o que foi feito de mim
E o que foi feito de ti
Já me lembrei, já me esqueci

Quando te livrares do peso
Desse amor que não entendes
Vais sentir uma outra força
Como que uma falta imensa
E quando deres por ti
Entre a chuva dissolvente
És o pai de uma criança
No seu caminho de casa

E o que foi feito de ti
E o que foi feito de mim
E o que foi feito de ti
Já me lembrei, já me lembrei
Já me esqueci"

Xutos e Pontapés - Chuva Dissolvente

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Ainda estou a franzir a testa :) Como percebo..mas que dá vontade de fugir à solidão dá

October 27, 2006 12:12 PM  
Blogger Titá said...

Excelente reflexão. Muito pertinente. Louvo a coragem de assumires tua posição numa sociedade que para fugir da solidão avança um degrau que não pisa.
Admiro tua decisão.

October 27, 2006 2:27 PM  
Blogger Retalhos said...

Luis,

Grande sintonia! Falámos sobre o mesmo com um dia de intervalo, só que eu não me expus directamente.

Existem pressões sociais, sem dúvida que sim mas cada um deverá ouvir e respeitar o seu ritmo.

Toda a tua exposição fez com que começasse a ouvir ecoar a frase que me tem dado imensas respostas ao longo dos últimos anos que transcrevo visto não recordar se já a utilizei em comentários anteriores:
há tempo para tudo
e
tudo tem o seu tempo


Continuação de boa estruturação e consequente consolidação.
Se me é permitido dar uma sugestão, aqui fica: nos períodos mais complicados/difíceis/dolorosos pensa nos custos e benefícios de todo o processo pelo qual tens vindo a passar. Acredita que vai ajudar :)

***

October 27, 2006 4:52 PM  

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