Friday, February 10, 2006

Doçuras e amarguras

E num dia ao entardecer uma grande tempestade assolou o local e Almustafa e os seus discípulos, os nove, foram para dentro e sentaram-se à lareira, imóveis e silenciosos.
Então um dos discípulos disse:

- Estou sozinho, Mestre, e sinto o peso das horas no meu peito.

E Almustafa ergueu-se e ficou no meio deles e disse numa voz que parecia trazer consigo o vento:

- Sozinho! E que tem isso?
Vieste sozinho e sozinho passarás por entre a neblina.
Por isso bebe sozinho o teu cálice e em silêncio.

Os dias de Outono deram a outros lábios outros cálices
e encheram-nos com vinho amargo e doce,
tal como encheram o teu

Bebe sozinho o teu cálice
Embora te saiba a sangue e a lágrimas,
e louva a vida pela dádiva da sede.
Pois sem sede
o teu coração não passa da costa de um mar sem vida,
sem som e sem marés.

Bebe o teu cálice sozinho e bebe-o com alegria.
Ergue-o bem alto sobre a tua cabeça
e bebe à saúde daqueles que bebem sozinhos.

Outrora procurei a companhia dos homens
e sentei-me com eles à mesa e bebi com eles;
mas o seu vinho não me subiu à cabeça,
nem me correu pelo corpo.
Só me desceu para os pés.
O meu saber ficou seco e o meu coração fechado e selado.
Só os meus pés estavam com eles

E deixei de procurar a companhia dos homens,
embora o peso das horas me pesasse no peito.

Fazes bem em beber sozinho o teu cálice de tristeza,
e também deves beber sozinho o teu cálice de felicidade.”

In: “O Jardim do Profeta” – Kahlil Gibran

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Isso é do livro do testamento não? è do Jesus e dos doze disciplos na ultima ceia. A minha mãe ensinou-me isso quando era pequeno. Já tinha saudades de ouvir algo assim tão portentoso.

February 15, 2006 3:56 PM  

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