Saturday, November 04, 2006

Sobre o aborto

Ao fim de alguns anos e pela mão da maioria socialista volta-se a consultar a população acerca do aborto.

Antes de avançar mais com este texto deixem-me esclarecer desde já que sou a favor do aborto bem como sou a favor da eutanásia.

O facto de ser a favor da despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez – vulgus aborto prende-se com a minha convicção de que é um direito que não deve ser negado a nenhuma mulher.
Faço desde já outra ressalva, ser a favor do aborto não é considerá-lo como um método contraceptivo porque não o é, é uma solução de último recurso que deve ser decidida a dois pelo casal.

O facto de ser a favor do aborto e da despenalização do mesmo não implica que não aceite as opiniões contrárias e sobretudo que deseje que o debate seja esclarecedor e honesto.

Foi com choque que assisti à reportagem da RTP sobre a ida das mulheres portuguesas a Espanha para interromperem gravidezes.

Se o intuito era justificar da despenalização do aborto, eu que sou a favor do sim lamento mas tenho que dizer que assim é que não.

Referiam milhares de mulheres que atravessam a fronteira ao mesmo tempo que aparecia a imagem de um comboio a chegar à gare de Madrid.

A imagem dos comboios cheios de pessoas a mim arrepia-me confesso, está demasiado ligada às imagens da deportação de judeus para os campos de concentração.

Não gostei da sistemática referência às questões financeiras e a comparação entre as clínicas espanholas (legais portanto) e as clínicas portuguesas (ilegais). São universos incomparáveis por natureza.

Não é através de comparações económicas que se justifica uma acção como o aborto, há questões de uma dimensão muito superior que se colocam, questões de ordem moral, ética e de direito pessoal.

Foi com agrado que vi o Cardeal Patriarca afirmar que desaconselhava os bispos a interferir na campanha uma vez que a posição da Igreja era já conhecida e que em caso de dúvida o melhor era votar em branco ou abster-se. Foi Sol de pouca dura uma vez que pouco tempo depois vários bispos vieram a público insurgir-se contra o aborto.

Sou a favor do aborto uma vez que estou convicto que há muitas pessoas que não têm condições para ser pais. Não me refiro apenas às condições financeiras, refiro-me a condições mentais, de afecto e de disponibilidade presente e futura. Há uma questão de maturidade que as pessoas devem ter antes de serem pais.

Dirão muitos que se não querem ter filhos que os dêem para a adopção. Lamento mas discordo porque a adopção deve ser também ela o ultimo recurso e mesmo que se retire a criança muito cedo à mãe, há laços afectivos que se geram ainda em tempo de gestação da criança. A formação dos afectos na criança está longe de ser conhecida e existem várias teorias acerca da mesma.
A criança mesmo não conhecendo a mãe verdadeira trás dentro dela não só o A.D.N. mas também os afectos que se geraram nessa altura e muito provavelmente sentir-se-á deslocada no futuro.
Pergunto qual o direito de colocar uma vida nesta terra para a deixar a roer-se de dúvidas existenciais que podem ser totalmente impeditivas de viver.

Notar bem que há uma diferença entre sobreviver e viver. Sobreviver fazemo-lo nós todos os dias, viver, poucos vivem. Viver implica ter prazer na vida, ter interesses, ter libido.

Há ainda que perceber que ter um filho implica uma obrigação de futuro que não é revogável porque se está cansado ou farto. Há todo um exemplo que tem que se dar e manter.

Não aceito que se tenham filhos exclusivamente porque, numa relação de dependência, se tenha alguém que nunca nos pode abandonar (supostamente). Não se têm filhos para segurar afectos. Isso é trabalho que cada qual tem que fazer sozinho antes de trazer parceiro para a vida quanto mais um filho.

Gostaria ainda de dizer que ter um filho implica aceitar que haja quem, mais tarde nos questione, nos critique, e nos ponha em causa como todos nós fizemos em relação aos nossos pais. Aceitar a critica é das coisas mais difíceis e creio que mais ainda quando parte de quem nos é próximo.

Não julgue quem ler isto, que considero que ter um filho é um fardo, muito pelo contrário, mas sublinho que não é apenas e só um mar de rosas, e que é para a vida, se quiserem, é algo que é eterno.

Voltando atrás, também não me parece lógico que se diga: “se não querem filhos que se abstenham sexualmente” – a sexualidade é algo inerente às pessoas e que deve ser exercitada, como tudo o resto, com bom senso e com “cabeça”.

Sou da opinião de que a informação faz falta e é essencial que seja divulgada. Quantas pessoas não têm ideias erradas acerca de métodos contraceptivos, da sua utilização e eficácia? É para mim um espanto a quantidade de pessoas que mesmo em níveis de educação universitária desconhecem vários métodos, as suas vantagens e desvantagens.

Numa extensão algo abusiva, a galopante subida do número de infectados por V.I.H. é algo que revela que as pessoas não sabem viver a sexualidade. Viver a sexualidade não é só praticar sexo, de várias formas, feitios, posições e locais, envolve todo um mundo de afectos e confiança que se gera entre parceiros que implicam intimidade. Intimidade no sentido de deixar o outro entrar no nosso universo, de partilhar sonhos, ambições, desejos e não de nos vermos uns aos outros nus.

Haveria e há muito mais a dizer mas fica aqui uma “pequena” achega.

1 Comments:

Blogger Joana said...

Também sou a favor da despenalização da IVG por todas as razções apontadas.
Gostei especialmente desta parte: "Sou a favor do aborto uma vez que estou convicto que há muitas pessoas que não têm condições para ser pais. Não me refiro apenas às condições financeiras, refiro-me a condições mentais, de afecto e de disponibilidade presente e futura."
Fez-me lembrar uma prima que é pedopsiquiatra e que sempre me disse "depois das coisas que já vi no meu consultório tenho a certeza que há mulheres que deviam ser esterilizadas". (é claro que este é um comentário extremo e que é dito em tom irónico)

November 06, 2006 3:01 PM  

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