Friday, March 17, 2006

“Faena”

Imaginemos a vida como uma tourada – a pé entenda-se – em que toureiro e touro são símbolos que andam de mão dadas e que são ambos parte da mesma vida.

Nós vamos crescendo e depois, de repente estamos no meio da arena onde vamos desenvolver a nossa vida.
Entramos normalmente com uma atitude galharda, distribuindo cumprimentos pelos espectadores e desejando que a nossa faena seja bonita. Dedicamos a faena a todos e às vezes em especial a algumas pessoas – pais, amigos, namord@s.

Quando a fúria dos acontecimentos, simbolizada pelo touro investe, recebemo-lo com o capote, fintando-o, passando-o com “chiquelinas” e outros “truques”, citando de longe para o atrair. No fundo queremos ser nós a controlar os acontecimentos mesmo que eles sejam perigosos como qualquer touro o é.

Na nossa lide não estamos sós, temos os mais velhos que nos apoiam – o picador – marcando os acontecimentos tentando trazer o que de melhor eles têm. Para além do picador temos os nossos bandarilheiros – os amigos – que entrando na arena com os seus capotes tentam ajudar-nos a lidar com o touro (os acontecimentos).

Mas depois, quando achamos que já conhecemos o touro, quando já dominamos as distâncias, quando sabemos que existem borladeros (protecções na trincheira) tornamo-nos mais ousados e “mandões”.

É a altura de mostrar que conseguimos impor parte da nossa vontade e em que marcamos o touro com o nosso ferro – as bandarilhas. Conforme vamos conseguindo mais confiança e achamos que dominamos arriscamos mais e mais tentando colocar o ferro perfeito, aquele que resulta da combinação exacta o de “alto a baixo” em que o cite é “bravo” e elevamos ao máximo os braços para poder cravar o castigo.

Após tudo isto, e já mais velhos e à-vontade com a vida e com os acontecimentos, fazemos como o toureiro, vamos buscar a muleta.

A proximidade com o touro é maior, a dança que se gera é complexa e ao mínimo deslize, as consequências podem ser fatais – uma cornada – mantemos o rodopiar tão característico de quem quer ter uma atitude mandona, que se dá ares e faz “desplantes” escondendo a muleta atrás das costas, se atreve aos “naturais”, em que baixa a muleta para quebrar o touro e o fazer baixar a cabeça.

Quando tudo isto resulta conseguimos dominar o touro (os acontecimentos) e estamos próximos do fim.

Agora falta rematar a sorte com uma estocada vitoriosa.

Mais uns lances de muleta, os últimos “desplantes”, colocar o touro no meio dos terrenos. Está na hora.

Assumimos a posição de matar, dobra-se a perna esquerda deixando a muleta sobre ela, fixa-se o olhar do touro nela, ergue-se a espada que entrará entre as espáduas do animal. Há um momento em que o mundo parece ter parado.

Mexemos a muleta, ele investe, rodamos cravando a espada até à sua guarda, entram os peões com os capotes, o touro rodopia e acaba por cair morto.
Com a morte dele acabou também a nossa actuação, também nós morremos ali.

Se tivermos sido excepcionais temos direito a dar uma volta pela arena cumprimentando o público, recebemos uma orelha, um rabo ou mesmo uma pata como troféu.

Acabou a lide, apagam-se as luzes da arena e como o touro que antes dominámos e matámos também nós morremos. Tudo termina, restará a memória de uma lide feita com bravura e galhardia.

E no fundo, na vida, uma vez dominados os acontecimentos, com as nossas pequenas vinganças (as bandarilhas), com os nossos amigos (os bandarilheiros que nos acompanham) quando “embrulhamos” tudo, a vida cessa pela ordem natural, e alguém, anos mais tarde lembrar-se-á de nós se conseguirmos transpor a mortalidade sendo geniais na forma como encarámos a vida e os acontecimentos.

Geniais não porque desenvolvemos um modelo XPTO, fizemos uma dedução única no mundo, mas porque para alguém fomos especiais, fomos aquilo que nenhuma outra pessoa poderá ser.

Se me perguntam, acredito que a dignidade com que nos comportamos e segundo a qual pautamos a nossa vida, a capacidade que temos de dizer a verdade, de sacudir a falsidade é o que nos diferencia uns aos outros.

Não me considero o dono da verdade ou da virtude mas no entanto houve coisas que nunca fiz, que não sou capaz de fazer e que sinceramente acho que fazem de mim melhor pessoa que muitas outras que por aí andam apregoando que são isto ou aquilo, que passam horas na Igreja, que se arrogam grandes virtudes, que vivem sempre sobre a marca do sacrifício e do esforço – cuja virtude e brilho é aparentemente imaculável – mas que no fundo andam tão perdidos no mundo que espezinham tudo o que está à sua volta.

Há pessoas que andam a fazer cursos sobre ser feliz, sobre auto ajuda e mais sei lá o quê – pois é mas a vossa felicidade passa pela viagem interior que nunca quiseram empreender e que é muitas vezes solitária.
Para aqueles que se moldam consoante as pessoas com as quais estão para serem aquilo que o outro deseja, tentem antes ser aquilo que vocês desejam para vocês mesmos. Ganhem personalidade e sobretudo carácter vertebrado e não rastejante!

2 Comments:

Blogger Nostalgia infinita... said...

Gostei da associação que fizes-te com a tourada.

joão vidal

March 17, 2006 7:05 PM  
Blogger João Magriço said...

Só encontro uma pequena falha na tua historia do meu ponto de vista, que para ti pode não servir. A ausência de Deus. A vida não acaba com o apagar das luzes, prolonga-se para além disso. Sim, morremos, mas ressucitamos em outro lugar.
E mesmo durante a vida, Deus é importante. É claro que temos de viver segundo a nossa consciência. E devido ao conjunto de várias conversas que tive ns últimos dias, te digo isto. Em resposta a uma pergunta q me fizeram sobre se não podíamos ser só bons e simples, lembrei-me desta citação de S. Agostinho: "fizeste-nos Senhor para Ti e o nosso coração está inquieto enqt nao descansar em Ti". Ou seja, podemos fazer uma lide perfeita, mas se essa lide não tiver sentido para além da arena, sabe a pouco. Continuando a comparação, é como se faltasse o director da corrida que nos diz qd é q podemos matar o touro ou não.

Para além disto, há quem pergunte: e será que Deus existe?
Se uma pessoa quiser viver em perfeita consciência csg mesmo, o melhor é acreditar n'Ele. É q se Deus existir e eu acredito, eu tenho razão e vivi a minha vida da melhor maneira. Se Deus existir, e eu não acredito, estou lixado, porque não quis acreditar em algo que me faria mais feliz. Agora, se Deus não existir, tanto faz eu acreditar ou não, pq de qlq das maneiras, eu vivo plenamente segundo a minha consciência.

E acho que na felicidade, não gosto nada da hipótese de poder estar um bocadinho q seja errado. P isso, eu acredito.

Um grd abraço Jam

March 23, 2006 2:05 AM  

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