Nos últimos tempos (duas ou três semanas para ser preciso) tenho visto uma série de pessoas, umas amigas, outras conhecidas, a casarem-se ou a juntarem-se.
Sempre acreditei que iria namorar com uma pessoa e que nos iríamos casar.
Curiosamente ou não, não foi assim que a minha vida se desenrolou. Dei por mim a perguntar-me se afinal a minha convicção de que me queria casar era verdadeira ou se afinal era apenas trinta e um de boca. Teria eu capacidade para assumir o compromisso que é um casamento?
Voltaram-me à memória inúmeras conversas e o célebre “desfasamento temporal”.
Não estou em fase de pensar em me casar, nem próximo disso. Sei que em relação a muitos dos casamentos e uniões não agoiro nada de bom porque me parece que é uma fuga para a frente mas também me pergunto se isso não é mais o meu desejo do que a realidade. O meu desejo que as coisas afinal não corram bem porque isso dar-me-ia razão e assim sentiria que afinal havia uma razão válida para não me ter precipitado para uma união de qualquer tipo. Se preferirem, era uma justificação, uma desculpa.
Não estou em fase de assumir compromissos, já não estava nessa fase há um tempo atrás, mas só agora sei o porquê e mesmo que goste de alguém, não posso assumir nenhum compromisso.
Não julguem que estou a fugir às responsabilidades, quem me conhece e sabe o que se passa comigo sabe que não fujo delas, por e simplesmente não quero mais ninguém a bordo da gôndola que conduzo, não neste momento. Há várias coisas que quero deixar prontas e definidas mas que as tenho que fazer estando só.
Tenho que dar a mão à palmatória a quem me disse que eu não tinha percebido que havia um desfasamento temporal, tem toda a razão. Gerou-se a partir do momento em que entrei na minha fase ruminante e em que passei a ser incapaz de verbalizar toda a angústia que me submergiu.
Angústia essa que merecia e teve um combate dedicado, corpo a corpo, que implica pegar em todo o novelo e desfazê-lo. Isso implica que quem não está directamente envolvido tenha que ficar de fora a ver esta dança macabra em que rodopio atrás das sombras, em que luto contra algo que não se vê, que muitas pessoas desconhecem e que praticamente ninguém acredita.
No fundo abdiquei, não das pessoas que amava, mas de parte de mim para poder refazer-me e no meio deste processo perdi-me e fui consumido pela angústia.
Estou agora na fase do reencontro, com muitas mudanças, com cicatrizes profundas, com algumas nódoas negras e algo dorido, mas tentei renascer, tentei melhorar.
Não estou pronto para assumir qualquer compromisso porque ainda estou a assumir-me na plenitude dos meus actos e das decisões algo temerárias e irresponsáveis que tomei no passado. Foram decisões que tomei assumindo que o comportamento das pessoas envolvidas em todo o processo seria um determinado. Algumas das pessoas agiram exactamente como esperava, outras excederam as expectativas e outras por e simplesmente foram-se embora.
Há uma espécie de inveja em ver os outros casarem-se, juntarem-se e eu, afinal estar a ficar para trás, mas fico, em parte por escolha minha.
Antes de assumir qualquer compromisso com alguém, tenho que acabar de assumir o meu próprio compromisso. Aceitar as minhas próprias mudanças.
Não estou em fase de assumir nenhum compromisso porque quero sentir que quando o fizer o faço não para fugir a uma qualquer solidão mas sim porque sei que isso me trará a felicidade que desejo.
Confesso que sou um adepto da solidão no sentido em que acho que todos devíamos passar por ela e estruturar-nos para a suportar e só depois de passarmos pelas dificuldades de estar só é que deveríamos ir ao encontro do outros e sentir-nos prontos para uma caminhada conjunta ao longo de uma vida.
Enfim, desabafos nocturnos …
P.S. – Fica também a letra de uma música dos Xutos e Pontapés
“Entre a chuva dissolvente No meu caminho de casa Dou comigo na corrente Desta gente que se arrasta Metro, túnel, confusão Entre suor despertino Mergulho na multidão No dia a dia sem destino Putos que crescem sem se ver Basta pô-los em frente à televisão Hão-de um dia se esquecer Rasgar retratos largar-me a mão Hão-de um dia se esquecer Como eu quando cresci Será que ainda te lembras Do que fizeram por ti E o que foi feito de ti E o que foi feito de mim E o que foi feito de ti Já me lembrei, já me esqueci Quando te livrares do peso Desse amor que não entendes Vais sentir uma outra força Como que uma falta imensa E quando deres por ti Entre a chuva dissolvente És o pai de uma criança No seu caminho de casa E o que foi feito de ti E o que foi feito de mim E o que foi feito de ti Já me lembrei, já me lembrei Já me esqueci"Xutos e Pontapés - Chuva Dissolvente